
No dia seguinte a ter aparecido como fundador do MAISines, houve um restrito grupo de pessoas pertencentes a candidaturas adversárias que achou avisado e inteligente deixar de me cumprimentar na rua.
Artigo original do Observador
As eleições autárquicas decorreram no passado 26 de setembro. Alguns dias depois, um pouco por todos os 308 concelhos do país vários eleitos locais tomavam posse como Presidentes de Câmara e de Junta, vereadores, deputados municipais e vogais das freguesias. Em Sines, a minha terra, os eleitos locais tomaram posse a 9 de outubro, numa tarde de sábado que recordo ainda quente e limpa, no rescaldo do fim de um atribulado verão. No dia 9 de abril assinalam-se, assim, seis meses de mandato para os novos eleitos daquele concelho. Eu, enquanto vereador eleito pelo Movimento MAISines, sou um deles.
A política autárquica é plena de vicissitudes próprias que não raro ou não têm lugar ou acontecem de distinta forma nas disputas do poder central. Nas localidades de pequena e média dimensão é comum os candidatos conhecerem-se pessoalmente, terem crescido juntos e, por força dos normais solavancos que nos coloca a vida, encontrarem-se agora em diferentes lugares da contenda. É habitual, também, saberem da vida uns dos outros, não só do que de facto aconteceu mas sobretudo do que é inventado e ganha forma por desígnio divino. Na política autárquica todos os municípios do país tornam-se, em simultâneo e ainda que por pouco tempo, o centro do mundo e não é menos certo que os seus intervenientes se sentem, in factu e durante os quinze dias da campanha eleitoral, os maiores das respetivas aldeias. Tudo isto é habitual e não nos deve surpreender; o mundo tem de “pular e avançar”.
Vejamos. Quando, no fim de 2020, decidi mergulhar no projeto de construção de um movimento independente de cidadãos – ou, como por imperativo legal devo avançar, de um Grupo de Cidadãos Eleitores – e, por consequência, quando me conformei com o cometimento daquele contemporâneo erro que muitos nomeiam como o de “meter-se na política”, tracei três princípios fundamentais que a minha atuação teria impreterivelmente de respeitar e dois objetivos concretos, do foro eleitoral, a alcançar. Aqueles eram, sem qualquer ordem específica, não perder nenhum amigo por causa da política, trabalhar sempre o mais duro que me fosse possível e manter a serenidade em todos os momentos. Dos objetivos, um tinha uma dimensão mais palpável e o outro mais etérea. O primeiro fracassou, já que os 26,19% de votos obtidos pelo MAISines não foram o bastante para retirar a maioria absoluta ao PS. O segundo, na minha leitura inevitavelmente parcial mas – garanto – esforçadamente consciente, foi atingido: o resultado obtido no sufrágio de 2021 abriu perspetivas muito otimistas para o longo caminho que há a fazer até 2025.
Em relação a mim a campanha decorreu, por parte dos adversários políticos, com relativa normalidade: muito pouco aconteceu de que não estivesse à espera. Fora as expectáveis observações em relação à minha idade – quando o Movimento se apresentou a público, eu tinha acabado de fazer 24 anos e no momento em que fui eleito estava ainda a alguns meses dos 25 –, que sem prejuízo de terem sido factualmente rigorosas foram bastante menos imaginativas quando comparadas com as que foram tecidas em relação a outros colegas meus, o certo é que, por pudor, incapacidade ou qualquer outra razão, eu não fui, pelo menos de quanto me fizeram chegar as bocas delatoras – que pecaram certamente por defeito –, atingido com a artilharia mais pesada.
Mas se a referida matéria não me deixou, como dito, em delicada posição, outra houve em relação à qual ainda hoje me interrogo. No dia seguinte à minha fotografia ter aparecido como fundador do MAISines, houve um muito restrito grupo de pessoas pertencentes a candidaturas adversárias que achou avisado e inteligente deixar de me cumprimentar na rua. Na medida em que, pelo menos até ao ponto onde a minha memória alcança, não me comportei de forma errada com nenhuma dessas pessoas e que a sua mudança de postura não foi acompanhada por qualquer justificação, só posso concluir, passados os devidos meses que ajudam à boa construção de uma reflexão sobre as matérias de facto e de valor, só posso concluir, dizia, que a razão do referido comportamento se pode ter devido, somente, à simples circunstância de eu ter feito parte de uma candidatura diferente da das pessoas em causa. Ora, sem prejuízo de bem saber que a minha ainda quiçá precoce idade não me dá o direito de discorrer, com total propriedade de facto, sobre matérias relativas aos antepassados dos meus conterrâneos, devo dizer, de forma convicta, que a circunstância de determinado indivíduo deixar de falar a outro simplesmente porque se coloca num lado da barricada política diferente constitui um comportamento que diz mais daquele do que, propriamente, deste.
Mas adiante. Vou aprendendo assim que a aritmética da política autárquica é complexa. Dependendo dos intervenientes, da sua integridade e de quanto está em jogo, a disputa pode acontecer em terreno mais ou menos ardiloso. Quanto a Sines, o seu interesse geo-económico torna o nosso município como particularmente apetecível para qualquer partido, circunstância que, naturalmente, tem a sua influência – maior ou menor – nas estratégias traçadas. Na política local, e fruto do desenho legal em vigor, a oposição fica não raro dependente não só da sua inteligência e tenacidade como de certo modo à mercê daquilo que o espírito do Presidente de Câmara lhe quiser dar, figura essa mítica e de exuberantes possibilidades, que no regime português tem um poder praticamente ilimitado, malgrado o remetimento para os fundos do papel da Assembleia Municipal; mas sobre este importante assunto falaremos numa próxima oportunidade.
Na oposição, o caminho de um autarca pode ser penoso; deverá perceber quais as exatas missões que lhe foram confiadas pelos seus votantes e qual a melhor forma de honrar esse compromisso. Mas se assim escrita – ou lida – parece tratar-se de uma perceção fácil, posso assegurar que executada é bem mais árdua que dita. É que aqui, na política autárquica, joga-se com particular clareza a natureza humana, com todas as suas naturais virtudes e fatais vícios em disputa. Estes seis meses de mandato constituiram uma experiência que considero, digamos, relevante, esclarecedora e recompensadora. Se para este concreto futuro desejo algo, é continuar com a boa saúde que o trabalho duro sempre exige, bem como com a pacatez de espírito que é indispensável à serenidade das ações ponderadas. E claro, como cumpre, não perder nenhum amigo por causa da política; essa sim, é a principal lição a registar.